Efeitos da COVID-19 no mercado mostram os riscos do modelo calcado na globalização. Animaseg e Abraseg defendem política industrial para o setor
Até os mais aplicados gestores de riscos, que tendem a não ignorar os eventos mais improváveis, devem ter se surpreendido com pandemia. Em poucos meses, a COVID-19 provocou mais de 120 mil mortes no Brasil e prejudicou severamente a economia. O setor de equipamentos de proteção individual, que projetava crescer em 2020, agora deve encerrar o ano com um recuo de 20% a 30% em relação ao desempenho do exercício anterior. Apesar dos pesares, o que é possível extrair de aprendizado deste período tão conturbado?
Raul Casanova Junior, diretor executivo da Animaseg (Associação Nacional da Indústria de Material de Segurança e Proteção no Trabalho) e da Abraseg (Associação Brasileira dos Distribuidores e Importadores de Equipamentos e Produtos de Segurança e Proteção ao Trabalho) entende que a pandemia comprovou a importância de as empresas serem flexíveis e terem agilidade de resposta. “Nesse quesito, fomos bem”, ele avalia. “O setor demonstrou uma capacidade de reação enorme, conseguindo atender às movimentações do mercado”.
A principal oscilação, não é segredo, foi o aumento brusco da procura por EPIs de uso hospitalar logo após a confirmação da pandemia – especialmente máscaras respiratórias do tipo PFF2 (N95), luvas e vestimentas em geral contra riscos biológicos.
Na pré-pandemia, o país contabilizava 28 empresas certificadas para o fornecimento de máscaras PFF2 aos centros de assistência à saúde. Contudo, apenas duas atuavam efetivamente no negócio. “Havia uma capacidade de entrega de 15 milhões de unidades por mês, com uma parcela significativa de produtos importados, mas o consumo mensal dos hospitais era de cerca de 1 milhão de unidades. O volume baixo não estimulava a participação de muitos players”, comenta Casanova Junior. “Com a COVID-19 e o boom da demanda, a indústria se movimentou. Atualmente, temos quarenta empresas atuando com máscaras PFF2, aptas a fornecer 45 milhões de unidades por mês. E todas elas com fabricação nacional”.
O executivo da Animaseg e da Abraseg acrescenta que, até o início do ano, a produção nacional do não tecido utilizado como matéria-prima para os protetores PFF2 abastecia 30% dos fabricantes. Hoje, graças a conversões de linhas e outras mobilizações, há capacidade para o atendimento de 100% da produção nacional.
Competição difícil
Algo similar ocorreu no segmento de luvas. Antes da crise sanitária, 99% dos exemplares para procedimento não cirúrgico, utilizados em larga escala nos ambulatórios brasileiros, mas também em aplicações paramédicas e domésticas, eram importados. “Em se tratando das luvas para procedimentos cirúrgicos, cativas dos ambientes clínicos, 70% do total consumido no país provinham do exterior”, situa Casanova Junior. Segundo ele, grandes indústrias nacionais capazes de produzir essas luvas, mas que não o faziam por falta de condições de competir com os preços das importadas, passaram a fabricá-las.
A adaptação de parques e a fabricação de novos produtos reverteram a demanda reprimida da fase inicial da pandemia – quando não foi incomum, por exemplo, encontrar máscaras PFF2 no varejo a preços de 40 reais ou até mais. “Antes do novo coronavírus, esses EPIs eram comercializados no atacado a valores unitários até vinte vezes menores”, lembra o representante da Animaseg e da Abraseg. Suspensões das exportações de países fornecedores contribuíram para a queda da oferta e a decolagem dos preços, também motivada pela grande alta do dólar.
Com a retomada progressiva das atividades, o mercado de EPIs também começa a se recuperar. Mas a expectativa do setor não é o retorno à situação anterior, e sim a afirmação de um “novo normal”. Para Casanova Junior, os últimos meses deram mais nitidez à necessidade de uma revisão de planos. “Nos últimos trinta anos, estivemos muito apegados à globalização. A pandemia escancarou os riscos desse modelo. Quando há um pico de demanda e poucos fornecedores, quem paga mais leva. É preciso ponderar preço com vantagem estratégica”, avalia.
Segundo Casanova Junior, a Animaseg e a Abraseg redobrarão os esforços para a instituição de uma política industrial para o setor de EPIs, de modo a estimular a fabricação local dos mais variados insumos e produtos finais. “Uma grande lição deixada pela pandemia é que os equipamentos de proteção individual não são produtos quaisquer. Eles devem ser considerados recursos estratégicos de um país”, defende o executivo.
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